Pálida. Ainda branca pelos dias sórdidos que
passara até a última data… o último jantar… a última ocasião em que
encontrou-se com a corte. Decisões e mais decisões vinham-lhe de encontro,
consumiam-lhe. Um dia sonhava em reverter o quadro, derrubar a mesa, e
defenestrar tudo aquilo que lhe estarrecia a alma. Banhou-se, levemente,
massageando a nunca, comprimindo os olhos, e inclinando o rosto para baixo.
Angustiada, levantou-se da banheira, envolta no roupão, encaminhou-se ao
dormitório. Sentada a cama, tratou de enxugar os longos cabelos na pequena
toalha, a que reservara este ofício. Encasulou-se dentro do pesado vestido,
abotoando-o por fim. Penteou os longos cabelos, preservando os cachos,
cuidadosamente, com a escova que pertencera a avó, e que hoje lhe servia
fielmente. Arranjou as pesadas madeixas em um grande coque no topo da cabeça,
prendeu com pequenos grampos nas partes dianteiras. Sentou a pequena coroa
sobre os mesmos, com cautela. Calçou os sapatos sem nenhuma vontade, ou melhor,
empurrou os pés dentro das cavidades. Ergueu-se diante do espelho e disfarçou a
pele com o já gasto pó de arroz. Adiantou-se à mesa de escritura, e apanhou o
relatório do dia. Avistou ao menos três compromissos importantes e inadiáveis
para a ocasião. Lamentou internamente. O último lhe causava náuseas por hora, e
talvez, vômitos intensos mais tarde.
No estômago vinha-lhe apavorantes roncos, que
podiam ser ouvidos no quarto ao lado. Lembrou-se que não se alimentou o dia
inteiro, não sentia fome, ou não tinha vontade de comer, ou não se esforçava a
tal. Tonturas vinham-lhe à cabeça, bambeava, as vistas escureciam, o amargo
residia à língua; sentou-se rapidamente na cama novamente. Apanhou água sobre o
criado-mudo, bebeu ligeiros goles, e inclinou a cabeça sobre os joelhos. “Inferno!
O que tenho feito para quedar-me sempre doente?” Praguejava. Deitou
inteiramente sobre a cama; quanto ao vestido, pouco se importava com o seu
estado. Pregou as pestanas e cochilou.
Passados instantes, a dor ainda a incomodava,
lembrou-se de como, estrategicamente, dava respostas a tais infortúnios.
Apanhou na primeira gaveta do criado-mudo um pequeno frasco de conteúdo escuro,
o tônico. Tomou-o em pequenos goles, sentiu o gosto agridoce descer-lhe a
garganta; e, instantes depois, sentiu -se sonolenta. Cerrou os olhos novamente,
e, desça vez, sentiu que dormiria profundamente.
─ Quando acordar, direi o que penso a todos eles, a
todos, absolutamente todos. Não posso mais viver esse disparate de vida, não
mesmo, preciso dar um jeito de livrar-me de tudo isso. Oh, se preciso! Mas
como? Como farei? Como sair dessa realidade? Preciso passar a agir como Marieta
dos Rochedos, aquela que ninguém a insultava e sempre lhe faziam o que era de
seu desejo. Acredito que ainda tenho um de seus colares guardados em uma de
minhas arcas. Vestirei um, sim, usarei ainda hoje um de seus extravagantes
colares. Terei a força de tal mulher, não serei mais domada! Expulsarei o Lorde
Alberto de minha cama, que vá dormir com as criadas, se assim o deseja! Se
pensas que podes procurá-las de quando e quando, que more com elas de vez! Não
é uma boa alternativa? Ao Conde de Lagos reservo a expulsão definitiva de minha
corte, não o quero entre os meus, não preciso mais de seus conselhos mesquinhos
e de sua audácia sobre meus calcanhares.
─ À Duquesa de Vinhais a forca está garantida, quem
pensa ser? Ora, que mulher de língua atrevida! Cuidado, Duquesa! O brasão que
papai lhe pregou no peito com espantosa rapidez, posso lhe arrancar do mesmo
modo! E… posso aproveitar o embalo e também lhe cortar a língua e sacar-lhe os
olhos! Fique esperta! E como devo presentear o seu agradável marido? Será que
ainda há graça ao povo em ver um enforcamento em público? Há anos que o povo
anseia por isto, serei conhecida como a libertadora e redentora desta terra,
ah...ei de ser!
─ Vejamos, o que poderia fazer para libertar
também o povo das falsas promessas do Barão de Pinheral? Confiscar suas terras?
Ou talvez incendiar seus engenhos? Poderia fazer um fogueiral maior se juntasse
no mesmo balaio as propriedades do também famigerado Duque das Palmeiras.
Maravilha! No mesmo fogo, para temperar, poderia mandar desgraçar também os
vestidos da malvestida Infante das Vinólias. Uma grandiosidade de espetáculo! O
povo aplaudiria de pé, ah, se aplaudiria.
─ Poderia mandar passear no exterior toda a
prole da infeliz Casa Marron, o país já não precisa de mais de seus malditos
herdeiros! Que façam linhagem em outras terras! Xô, canastrões! Falando em
casa, que tal mandar catapultar o casarão das horrendas Princesas do Vale? Não
precisamos mais de uma política reducionista pregada por tais donzelas! Morte
as princesas falsárias!
─ E o que fazer com toda essa corte parasita
aqui residente? Inventar uma suposta viagem minha ao reino vizinho e mandar os
soldados sitiar e derrubar o palácio na sorrateira da noite? Seria uma boa
notícia aos países vizinhos!
Batem à porta. Ninguém responde do lado de dentro.
─ Majestade!
O silêncio é absoluto. A criada toma a porta
com novas batidas.
─ Majestade! Minha senhora, está me ouvindo?
Posso entrar?
Ninguém responde e o silêncio permanece.
Ousada, a criada invade o quarto.
─ Mandarei empalar todo o clero, um a um. Não
precisamos mais de hipócritas regras de boa convivência. E também…apoiarei eu
mesma a reforma...
─ Oh, céus, a rainha está a delirar
novamente! − disse a criada, espantada e
parada à porta. Observando a rainha, deitada sobre a cama e de olhos
fechados, proferindo impropérios a uma
legião de pessoas do reino.
A criada desceu a escada da torre,
rapidamente, em busca do médico da corte.