domingo, 17 de junho de 2012

Amargo, sem tato, no prato


Duque: ─ O que te incomoda?
Duquesa: ─ Perdão?
Duque: ─ Percebi que depois do jantar saiu cabisbaixa e sem muito que se importar.
Duquesa: ─ Não há o que me importar!
Duque: ─ Como?
Duquesa: ─ Já não suporto tais reuniões sociais, me cansa, me consome.
Duque: ─ E por quê?
Duquesa: ─ Não vê como me olham? Como me investigam? Como me invadem?
Duque: ─ Não, não notei.
Duquesa: ─ Não notou porque é só mais um deles, mais um do covil, faz parte da trupe.
Duque:  ─ Não estou entendendo, o que tenho? O que eles têm?
Duquesa: ─ Eles não têm! É isso que é o trágico.
Duque: ─ O que neles te incomoda?
Duquesa: ─ O jeito que me olham, parece que me comem viva, devoram meus sentimentos, me vampirizam a mente, roubam meu ar, aprisionam minha razão, estrangulam minha coragem, falecem meu tato, trancam a minha voz, vedam meus olhos, estupram meu cérebro...
Duque: Pare!
Duquesa: ─ Não suporto o cinismo desenfreado alojado em seus corpos, suas tripas banhadas a vinho de traição, seus sorrisos debochados de reluzente ouro amargo, suas falas desdenhosas com odor de comida de urubu...
Duque: ─ Já disse! Pare!
Duquesa: ─ Atormenta-me suas propostas pútridas tal como solo de pântano amaldiçoado, seus forçados convites à covas onde não há defunto,  suas modalidades de martírio arraigado, suas juras de amor aleivosas ....
Duque: ─ Cale-se!
Duquesa: ─ Seus planos em paralelos transigentes desajustes que nunca há de chegar, suas tolices trepidantes como a presa que enxerga seu fim, seus pensamentos furtivos que aleijam a quem desejar...
Duque: ─ Amanhã, na primeira hora do dia, serás enforcada!

Duquesa: ─ Como me incomoda seus juízos clandestinos em terras de sal, suas ações que faz pubar a mais fértil das plantações, seus prestígios acaçapados na pior das canastras em ilha erma...

Louco


Não foge, nunca está encurralado, dá meia-volta no ritmo que se faz as coisas. Promove a inversão dos pólos, retorna os passos, retrocede, resgata, puxa de volta o “portão-ponte” e cumpri sua penitência.Volta ao ponto de saída, regressa, mergulha de volta as origens, migra ao zero.  “─ A razão do final está no início” prediz o velho sábio necromante.  Não se despede, nunca está perdido, seus passos firmes sempre sabe o caminho a seguir. O mundo? Está sobre a suas costas, ele é quem conduz. Besta nenhuma lhe agarra os calcanhares, sua destreza nos passos dribla a própria morte.

Mundo

       Tudo em pulsos se faz, é vivo o que se pisa. Embrião que congemina, reconstrói e revitaliza. Alimento mais íntimo, primeira costa verde, energia para quadrúpedes. Da semente dos galhos que desce ao chão a semear o útero-terra, em alimentar-se de si mesmo, de seus frutos. A semente que se transforma em outra árvore. “─ Só é mundo se devorar a si mesmo, é o ciclo que permeia a vida e faz o curso das coisas mover-se certo, de modo ideal.” O coração-fruto não mais será estripado, é a donzela sem algemas, o marcador ─ vida e morte, morte e vida ─ em eterno ritmo cíclico. União elemental para o despertar da nova consciência, para se cumprir o que prediz as profecias, o que estava escrito nas velhas escrituras: “─ Conheces o mundo? Conheça-te a ti mesmo!”