terça-feira, 11 de junho de 2013

Para se ver



         Adentrou o coche, ligeira. Ainda na porta, adiantou-se ao cocheiro.
 ─ Irá passar em frente ao Shopping?
─ Passarei sim, jovem. Entre ─ Apressou-se o motorista.
Correu os olhos sobre os passageiros já sentados, localizou uma cadeira vazia no início e sentou-se. Enquanto passeava os olhos pelas folhas do seu livro de mão, a passageira do assento da frente perturbou-o.
 ─ Olha lá, olha lá! ─ resmungava inquieta ─ brincadeira, viu... brincadeira!
─ Oi? ─ disse o jovem, entre os dentes, e coçou a cabeça.
─ Ali, filho, olha lá! ─ apontou rapidamente para a placa ao canto da pista ─ viu? Estão trocando as placas antigas por placas novas, com a respectiva tradução para o inglês, tudo por conta dos jogos!
 ─ É verdade, nem tinha visto ainda.
 ─ Brincadeira, viu....brincadeira um negócio desse ─ insistia ela ─ um país desse com tanta pobreza, com tanta desigualdade, com tantas mazelas, e tantas outras necessidades... investindo em plaquinha traduzida, só para agradar gringo.
 ─ Aham, a senhora tem razão.
 ─ Sabe o que me revolta? O descaso com os pilares fundamentais da sociedade: saúde, educação e segurança. ─ dizia com o dedo erguido ao céu ─ não repassam a verba necessária para esses segmentos, e em virtude disso, os mesmos não funcionam direito. E para onde está indo esse dinheiro? Ora bolas, para plaquinhas para gringo ver. Ah, vá a ....!
 O jovem confirmava, balançando a cabeça. Enquanto a passageira, ao seu lado, debochava com risinhos abafados.
 ─ Está vendo isso aqui? ─ abriu a sacola que levava sobre a perna e retirou um pote de barro, redondo. ─ é marmita! Sabe de onde vem?
 ─ Não, senhora.
─ Peguei em um manifesto de rua, de onde acabei de vir. Após o ato, os organizadores distribuíram aos participantes; algumas pessoas não quiseram e me deram. Vai ser a minha ceia e de meus meninos; consegui pegar três, olha! ─ abriu um e mostrou o que tinha dentro ─ É comida de primeira, já estou até com fome só de olhar. ─ deu um sorriso triste.
O rapaz a olhou nos olhos, e percebeu em seu olhar todo o histórico de sofrimento pelo qual aquela jovem senhora havia passado nos últimos meses. As marcas de expressão em seu rosto registravam cada dia de trabalho duro enfrentado, cada desaforo engolido, cada palavra omitida em necessidade.
 ─ Sou estudada, rapaz. Não sou pedinte, não. ─ adiantou-se em corrigir qualquer juízo de falso valor que pudesse ter sido criado pelo jovem ─ estou levando essas poções de comidas para casa, porque o que ganho não está dando para sustentar a mim e aos meus garotos. Mas tenho estudo, sou enfermeira da Santa Casa!
─ É uma pena, não? ─ insinuou o rapaz.
─ O quê? ─ quis saber ela.
─ Que a senhora, com todo esse estudo, tenha que passar por tudo isso.
─ É filho, mas vá se acostumando, os profissionais mais importantes do país são os que mais apanham do Estado. É médico, enfermeiro, professor...
 ─ Serei professor.
─ Lamento muito, jovem.
 ─ O quê?
─ Que tenha que passar por isso. Não desejo o que passo a ninguém.
 O jovem não respondeu. Calou-se.
 ─ Trabalho três turnos para poder sobreviver, espero que não precise fazer o mesmo.
 ─ Espero que isso um dia mude.
─ Mudará sim, rapaz. O dia em que aprendermos a pensar.
 Despediu-se e desceu do coche levando consigo sua sacola cheia de marmitas e de esperança.

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