terça-feira, 12 de outubro de 2010

O que há na criação é do criador

Sabe o que está por detrás das cortinas. Ele tem o roteiro da peça. Cada fala, cada gesto, cada expressão, são coordenados pelos seus atos. Todas as vestes são costuradas pelos pontos tecidos de suas mãos, é dele o último nó, as linhas, os fios, trançados fielmente entre seus dedos. Mãos que fazem roteiros, comédias, tragédias, dramas. À parte do destino e tão dono dele.  Tudo seu, todos, o todo, de um tudo. Gigante em fazeres, hábil costureiro de vidas, pescador maestro, em sua rede fisga os melhores. Carpinteiro por excelência, através de suas ferramentas vem ao mundo as melhores esculturas, corta os defeitos, arranca pontas, serra o lado estragado, aprega os anexos, lixa a pele grosseira, pinta com o melhor tom, por fim, deita uma camada fina de verniz, para proteger dos tempo ruins. Escultor das melhores peças, aperta, comprimi, tira o excesso, molda dali, daqui, molha, modela, leva à queima. Pronta para o uso, uma nova existência, um novo ser, uma nova razão. Mais um aqui, mais um vindo, outro indo, um caindo, outro nascendo, seguindo o ritmo, novos e velhos, a roda girando, nascendo, vivendo, morrendo.
É dono daquilo, sabe tudo o que acontece. Afinal, os atos são vistos pelos seus olhos, só ele pode contar a verdadeira história. Se algum dia se calar, quem saberá? Uma história pode ser contada por muitos, mas só o dono dela é quem dentem a verdade. Como dono de tudo aquilo, sabe que todos os atos são planejados pelos roteiros que ele mesmo escreve, os perfis são todos traçados pelo que ele acha ideal. Forja falas, constrói diálogos, planeja conversas, tira uma palavra daqui, põe ali, não aqui, mais ao meio, espera, mais ao fim é melhor. Todas as palavras têm significados que são seus, dono de toda a semântica-existência, significando à medida que promove sentidos, sentindo o sentido, sentido-sentimento.
Tudo reflete apenas o que pensa, os seus pensamentos são os pensamentos do rei. No tabuleiro ele é a rainha e os peões. Quem dá as coordenadas é ele, subordinados são os menores, não inferiores menores em ordem. Há hierarquia de poder para o que é vivo, tentar omita-la é uma farsa. Impõe ordens, mandou ontem, mandou agora e continuará a mandar mais tarde, mandamentos a todo o momento. Saia daqui, vá para lá, continua andando, não fale, não cale, olhe para mim, não faça isso, suma da minha frente, não diga o meu nome, não dê ordens a quem é Rei!
Toda razão é sua; sabe quando mover os ponteiros. Todos os instantes estão sobre o seu controle - sem ele – não se movem mais; conservavam-se intactos. Pelas suas veias passam o tempo, a todo tempo, não o tempo dos homens, o tempo distinto da realidade, o tempo a quem ninguém controla, o de agora, o tempo de todo o tempo. Os instantes forjados a cada instante, instantâneos a cada segundo, rápidos, ligeiros, movendo ciclicamente, caminhando nessa e naquela direção. Perpassando os movimentos, os jogos, os ventos, os tormentos. Apressando os passos, cada pegada um instante arrancado, cada instante um pé a frente e outro atrás, um a frente e outro indo. Guiando os passos, é dono deles, de cada um deles, ele tem pés, os meus pés, os seus também, de todos nós. Não caminhem rápido com pés que não são seus, os pés é dele, pensa que pisas onde é de vontade? Calculado está cada passo seu.
São os seus anseios que movem os impulsos, ele os tem. Tudo que se sente é sentido primeiro, sentindo primeiro por ele, o sentimento primordial, o inicio do sentir, todo o início é dele. Os sentimentos são ele, sentir ele, sentir nele, sentindo com ele, sentidos para ele, sentimentos em torno dele, sinta com ele, sinta com você, você sinta. Sinta tudo. O coração sente ele, o que vem do coração vem dele, o coração é dele, não, o coração é ele. Todo o amor vem do coração, o amor de coração, coroar a ação, cora a ação. O medo de dentro, o medo dele, o daqui, o medo de mim, o medo de tudo, o medo também é dele, todo o medo de tudo, o medo do mundo, o medo do escuro. O medo vai fundo, fundo a ele, o fundo dele, fundir com ele, fundindo medos, fundindo sentimentos, juntando tudo, colocando tudo no mesmo, costurando junto. Sentindo a tudo, sentindo tudo nele, é sentido, sentido dele.
O todo faz parte do seu universo, em cada instante. As coisas vem à ele e depois voltam. Como vem é segredo, como voltam é mistério. Voltando sempre ao seu pedido, pedido atendido, vindo e rindo, seguindo e indo. Voltando agora que é pedido. Peça agora, venha nessa hora. Peça que venha embora, volte outrora. Tudo é hora, hora de voltar. Voltar para o agora, deixa embora. Não toque agora, a hora não importa, tranque a porta. Não deixe passar a porta, deixe ele voltar de volta. Voltar no agora, ele detém o agora. Tudo tem hora, hora de partir, hora de ir, hora de seguir, hora de parar, hora de pensar, hora de retornar, hora de voltar. Feitos em hora, de sua memória, de seu relógio. Seus ponteiros é que dá a hora, não olhe lá fora, já não é hora. Não sabe o momento dele, mas ele sabe a que hora é hora. Tudo de hora em hora, em suas horas, voltando para o seu agora. Controlando tudo, instantes, segundos, minutos, horas, sem enrola.
E é isso que faz dele forte: é totalmente mutável, as coisas lhe cabem. Muda sempre, sempre mudando, acompanhando mudanças no mundo afora. Tudo em que toca muda, mudando sempre as coisas ao toque, a cada toque um desfoque, desfocando imagens, perfis, corpos, rostos, membros. Promovendo mudanças, trocando os lados, invertendo os eixos, solvendo aqui e pitando ali, desenhando o modelo agora de uma forma, apagando a gosto, à frente riscando o que lhe importa. Tudo molda, tudo faz, faz igual, faz diferente, mas faz sempre, aquilo que faz é um tipo, é um tipo diferente, mas é igual, é oposto e diferente, parecido e semelhante. A criação do diferente, criando em mente, criando na mente, criando mentes, criando o que não se mente. Criando a quem vê crente. Tudo rente, linear, perfeito, bem feito, suas mãos fazem bonito, constroem o que deseja, deseja sempre, desejo em frente.
Sabe a ordem das coisas e dos lugares. É sobre os seus braços que todos dormem. Sabe o passo que conduz a dança. Tem tudo e todos são seus. Controla as cordas do boneco, dá voz ao ser-ventrículo. É sua voz, fala o que deseja, fala nomes, objetos, desejos, insultos, títulos. Designa palavras a seres. Nomeando os seus, nomeia cabeças, nome em cabeças, cabeças com nomes. Abraçando tudo, com o braço controlando, cantarolando, com o canto da mente. Caminhando entre ruas e estradas, cada passada nomes deixados, títulos lançados, traçando dizeres, rogando expressões em prazeres. O que tem feito é criar, criando feitos, criando perfeito, criação de tudo, criando o mundo. O tudo. O todo. Tudo forjando, modelando lugares, pessoas, caminhos, destinos, tranças de vidas, de existências. Fios de mente, tecendo a vida, amarrando todos. O universo é seu, ele é o universo, universalizando tudo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário