Vinha caminhando levemente pela estrada acidentada,
cabisbaixa, ainda um pouco confusa, sem muita noção de seu destino. Durante o
percurso, avistou alguns caminhantes que iam e voltavam dos povoados vizinhos.
Sofia residia em um aglomerado de povoados, que juntos formavam uma grande
extensão residencial, quase um país; distante de outros países, inclusive.
Passara toda a vida nesse ambiente, pouco conhecia dos costumes de outros
povos, e o pouco contato que tivera com o
mundo lá fora, foram situações de extrema urgência. Fora criada pela avó,
não conhecia os pais. Bem verdade, soubera brevemente da existência da mãe, mas
quando chegou aos seus ouvidos notícias referentes à esta, ela já não estava
mais interessada em conhecê-la. Tomara por mãe a própria avó, como ela mesma
dizia, era a imagem que conhecera de instrutora e criadora; talvez por esse
motivo, julgou nunca ser necessário o contato com sua mãe de sangue.
Os costumes a que Sofia estava acostumada eram milenares, advindos dos primeiros povos, como dizia sua avó e
demais anciões de seu povoado. Estes costumes eram ritos e comportamentos que
faziam parte do dia a dia de todos do povoado de Banchê, onde a jovem
nascera. Estes, por sua vez, perpassavam diversas áreas da vida humana, desde o
cuidado com a alimentação diária, o cuidado com a mente, a criação de animais e
até mesmo a ornamentação da casa onde se vivia. Os banchenianos são um
povo costumeiro e de comportamentos tradicionais, não esquecem e provavelmente
jamais esquecerão suas raízes; ainda nos dias atuais fazem e continuam a fazer
muito do que os primeiros povos
faziam. Acreditam que mantendo esses laços ancestrais, mantêm-se um bom um
espírito e, por consequência, passam a ser humanos melhores, podem perceber
melhor as coisas pequenas da vida, e entender melhor o seu contato com a
natureza, e as relações com os outros povos também serão melhores.
Deixemos de falar do povo-origem de
Sofia, e falemos da própria. A jovem bancheniana já estava perto de
completar 16 anos, para poucos essa é uma idade com significado, mas para o
povo de Banchê, certamente o
é. Nos costumes de Banchê, as donzelas podem optar entre dois destinos:
casarem-se ou servir a algum templo local, como sacerdotisa dos antigos
mistérios. Quando se opta pelo primeiro caminho, as jovens tomam como marido
alguns dos pretendentes que a família lhes põe à disposição. Os Bachenianos
não costumam ser impositivos e não são favoráveis ao regime autoritário e
não-irrevogável; pelo contrário, entre os povoados do País de Inverno,
são, talvez, os mais flexíveis e libertários dentro dos costumes tradicionais.
Jovens sempre têm escolhas ─ seja do sexo masculino ou feminino ─ para bem
destinarem o rumo de suas vidas. Talvez, o leque de escolhas seja curto ─ sim,
é bem verdade. No entanto, para Banchê, que é um dos povoados de menor
extensão, eles até são bem desenvolvidos civilmente.
Sofia é uma dessas donzelas que pôde escolher, e escolheu servir aos Ieruás,
é assim que os Banchenianos chamam os antigos deuses, a quem prestam
culto desde os primórdios. Não que a jovem Bancheniana julgue-se apta em
totalidade a esse caminho, mas sente que é diferente desde cedo, e que também
não nascera para constituir matrimônio e ser guardiã de um lar. Em outras
palavras, nascera sensível em relação às demais jovens, suas habilidades em
lidar e ser compreensível a outrem, fez-lhe encontrar nesse caminho uma
possibilidade de vida compatível com seus anseios. Desde moça, sempre sentiu
empatia para com os demais seres vivos, encontrava no simples gesto de ajudar o
outro uma forma de se sentir mais conectada e próxima dos cosmos e dos deuses.
Foi a avó quem lhe disse que talvez o seu caminho estivesse diretamente ligado
ao bem-estar do outro, nas habilidades de propiciar o conforto necessário a
quem lhe procurasse. E, também, desde que se recorda, sempre foi muito devota e
religiosa, mesmo alternando momentos de fé fervorosa e balanços em sua crença. Visto
por um prisma diferente, Sofia, julgara que os abalos em seu caminho devocional
eram formas de manter-se firme em suas convicções e reforçar ainda mais o seu
poder de crença.
Esses eram um dos motivos pelo qual ela fazia o trajeto por essa estrada, nesse
mesmo instante, estava indo em busca de um sonho de menina ─ tornar-se
sacerdotisa e dedicar os seus dias a servir aos antigos deuses, como residente
de um dos Templos Sagrados do País de
Inverno. Sabia a importância desse dia em sua vida, afinal, esperou anos
para que ele finalmente chegasse. Estava insegura, mesmo tendo confiança em
seus talentos natos, a que julgara serem pré-requisitos para investidura no
ofício. Na mesma estrada, vira muitas outras meninas tomando o mesmo caminho, e
em parecida situação, sozinhas e com uma imensa bolsa sobre as costas. Estes
eram alguns sinais de que o caminho seria longo até chegar ao Templo-mãe, e
também que os dias de testes e provações seriam longos. Reservara em sua carga,
roupas, comidas, livros, e alguns objetos pessoais e de higiene. E supunha que
as outras moças também tivessem feito.
Já chegando a determinado ponto da estrada, começaram a se aglomerar as moças:
a estrada se fazia mais estreita, e a partir dali, era tudo muito deserto e com
poucos passantes à vista. A necessidade de permanecerem seguras e longe de
qualquer infortúnio, faziam que aproximassem e tomassem amizades, rapidamente.
Sofia permaneceu sozinha, sempre fora em demasiado tímida e reservada, tinha
dificuldade ou não sabia mesmo por onde começar uma relação de amizade.
Com a cabeça baixa, não pôde ver, mas seus ouvidos foram ligeiros em captar as
pegadas se aproximando. Um jovem de estatura mais baixa a sua, e mais
corpulenta aproximou-se dela. Sorriu-lhe e desviou rapidamente o olhar, Janice
também o fez.
─ Perdoe-me, senhora, será que poderia...sabe, não é bom... ─ disse timidamente
a jovem, recém-chegada.
─ Claro, pode sim, fico satisfeita com a companhia ─ Sofia respondeu
institivamente.
─ Obrigada, senhora. ─ respondeu agradecida a moça.
─ Sofia...chamo-me Sofia. ─ respondeu ela ─ Reserve este tratamento às Senhoras
do Templo, afinal, sou tão jovem quanto você. ─ sorriu, por fim.
─ Perdão...quer dizer...tudo bem! ─ respondeu a jovem robusta, meio atrapalhada
─ Sou Laliana, chama-me apenas de Lia, se quiser, meus pais me chama assim.
─ Tudo bem, Lia. Um prazer conhecê-la.
─ Sou grata do mesmo modo.
Um barulho fez com que as moças parassem a caminhada e fizessem um aglomerado à
frente. Janice pôs-se na ponta dos pés e tentou ver por cima das cabeças. Nada.
Não conseguia ver nada. Ouvia uma voz fina, dizendo algo, não conseguia
compreender. Pegou no braço e Lia e puxou rumo à frente.
─ Venha! ─ disse ela. E a jovem não hesitou. – Precisamos descobrir o que está acontecendo.
[Continua...]
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